Caminhava apressada para chegar na minha casa depois de um dia atribulado e comecei a relembrar fatos da minha infância, doces memórias que me remeteram as doces paisagens do sitio da minha avó.
A mina d'agua era misteriosa, fonte que brotava no chão e me hipnotizava por horas em busca de respostas que até hoje não encontrei, o fluir da água levava meu pensamento por viagens ao desconhecido me fazia virar pássaro, ser livre que voa ao sabor do vento. A água gelada e límpida que brotava no meio do chão era a prova de que magia existia, bastava saber olhar, e dizem que água não tem sabor, provavelmente não experimentaram aquela, não da forma que eu saboreava cada gole da fonte misteriosa.
E o dançar das copas, folhas com verdes variados que espalhavam seu perfume pelo ar, tão vivas e únicas que os o simples percorrer dos olhos pela imponência dos seus troncos me esticavam e alteravam minha forma, passava a ser grande, uma gigante de raízes.Subir naqueles troncos e colher os frutos dos abacateiros e mangueiras nos ligavam num só ser , fruto que alimenta, semente que retorna ao solo e se refaz numa nova vida, criança que alimenta o corpo e enriquece a alma.
E o solo, quantas cores pode ter a terra? Confesso até hoje não posso responder, e as texturas, argila branca e macia, colhida no leito do córrego de águas mágicas, dançavam nas palmas e viravam bailarinas, princesas de barro, não precisavam endurecer como nos acontece com o passar dos anos, bastava retornar para a água e renascer macias e maleáveis prontas para bailar. Calcários que misturavam nuances variadas de amarelos e vermelhos, alegres e vivos, uns arranhavam quando pressionados e outros simplesmente deslizavam entre os dedos e viravam poeira multicor.
O cacarejar das galinhas, o milho espalhado no terreiro e a imagem da minha avó um ser tão imponente que foi moldado num corpo pequeno e magro para lhe deixar ainda mais surpreendente, uma orquestra da natureza, canção simples que marcava o passar do tempo e ritualizava a permissão para brincar.
O céu estrelado, o medo das verrugas por apontar as graciosas luzes no infinito, o som do violão ao lado do fogão de lenha, o calor da família reunida repetindo os causos que despertavam tanto...
Eram férias, mas também eram reencontros, aprendizagens e fantasia.
Saudade da minha infância, nem sabia o que era poesia mas já a sentia, apreciava e vivia dela.
São memórias da minh'alma que em meio a solidão do caos confortam, recriam e inspiram.
E no sítio Boa Vista descobri que olhar não é coisa pra se fazer só com os olhos, precisa usar a mão, o nariz, a boca, a alma e o coração.
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