quinta-feira, 20 de junho de 2019

Para a criança que ainda me visita

O inverno já se anuncia, e tudo me lembra aconchego, talvez por isso a nostalgia também se aproxime, divide a coberta e o cheiro bom das memórias.
Recordei dessa escrita, feita em 12 de outubro de 2018,  exercício de desenhar as letras para brincar com o tempo.
Para a criança que ainda sou eu:
Faz tempo que não falamos das estrelas que fizeram manto, naquelas noites tranquilas. Lembra do cheiro das flores, e aquela roseira alta, parecia uma rainha desenhando a porteira.
Um amor tão bonito, da água lavando o barro, e  dançando com os peixinhos cabreiros.  Nossos dedos adivinhando o gosto de moldar sonhos.
Sinto falta do aconchego dos nossos abraços, e daquele tempo que a única preocupação era de não levar uma sova de vara, por gastar sonhos na beira do rio.
Os adultos esquecem da importância de olhar a água, pensam tanto no perigo que se perdem nas tarefas do dia.
Queria muito que você me perguntasse o que vamos fazer hoje, e ouvisse com aqueles olhos arregalados, fingindo que estava dentro de um livro, pressentindo que logo daria a hora do almoço, e se andássemos nas pontinhas de pés daria tempo de pegar um pedaço de carne na lata e esquentar no fogão de lenha, enfrentando o fogo e hora das coisas.
Às vezes leio livros e sento na mesma posição que fazíamos antes, você volta e me acolhe, e desafiamos todas as regras de passado e presente, sem nenhum título que seja maior que a nossa existência mergulhadas na fantasia.
Lembra da primeira vez que vimos uma tela de cinema, aquela com o filme do caminhão vindo na nossa direção, e o coração pulando pela boca, foi tão rápido, tanto medo. Saímos da sala e encontramos aquele parque de diversões gigante, segurando o chão e a mão materna que parecia uma fortaleza.
Ainda éramos crianças quando nos reencontramos com a tela gigante, a história sem fim, e voamos por meses naquele bicho alado que chamávamos de cachorro do Artreio.
Sinto saudades de você, de olhar pela janela e esperar cada coração misturado nas gotas de chuva, cantarolando pingos de amor, sem saber o que era poesia e mesmo assim encontar com ela só de brincadeira.
Perguntavam tanto o que queríamos ser quando crescer, e hoje sei bem que raramente as pessoas se importam com os sonhos dos adultos. Faz tempo que não me perguntam o que quero ser agora adulta, normalmente me pedem para resolver coisas, e isso sempre me perde um pouco.
Você mora longe, lá num passado, e só de teimosia me visita quando cuido das plantas, escrevo, desenho, invento comidas, é uma pena não poder ficar, mas eu entendo, e por isso alimento a esperança.
Os dias tem sido nublados, você sabe como fico, um dia volte sem pressa, ainda sei conversar com passarinhos.