sexta-feira, 20 de setembro de 2019



Relembrando uma escrita de um ano atrás, e que ainda faz muito sentido.

Não fosse a teimosia
já tinha acreditado
Nesse depósito
Utilitário

Um dia a Margarida
com mãos enrugadas
Ensinou a plantar feijão
De lá para cá
Sou colheita


quinta-feira, 20 de junho de 2019

Para a criança que ainda me visita

O inverno já se anuncia, e tudo me lembra aconchego, talvez por isso a nostalgia também se aproxime, divide a coberta e o cheiro bom das memórias.
Recordei dessa escrita, feita em 12 de outubro de 2018,  exercício de desenhar as letras para brincar com o tempo.
Para a criança que ainda sou eu:
Faz tempo que não falamos das estrelas que fizeram manto, naquelas noites tranquilas. Lembra do cheiro das flores, e aquela roseira alta, parecia uma rainha desenhando a porteira.
Um amor tão bonito, da água lavando o barro, e  dançando com os peixinhos cabreiros.  Nossos dedos adivinhando o gosto de moldar sonhos.
Sinto falta do aconchego dos nossos abraços, e daquele tempo que a única preocupação era de não levar uma sova de vara, por gastar sonhos na beira do rio.
Os adultos esquecem da importância de olhar a água, pensam tanto no perigo que se perdem nas tarefas do dia.
Queria muito que você me perguntasse o que vamos fazer hoje, e ouvisse com aqueles olhos arregalados, fingindo que estava dentro de um livro, pressentindo que logo daria a hora do almoço, e se andássemos nas pontinhas de pés daria tempo de pegar um pedaço de carne na lata e esquentar no fogão de lenha, enfrentando o fogo e hora das coisas.
Às vezes leio livros e sento na mesma posição que fazíamos antes, você volta e me acolhe, e desafiamos todas as regras de passado e presente, sem nenhum título que seja maior que a nossa existência mergulhadas na fantasia.
Lembra da primeira vez que vimos uma tela de cinema, aquela com o filme do caminhão vindo na nossa direção, e o coração pulando pela boca, foi tão rápido, tanto medo. Saímos da sala e encontramos aquele parque de diversões gigante, segurando o chão e a mão materna que parecia uma fortaleza.
Ainda éramos crianças quando nos reencontramos com a tela gigante, a história sem fim, e voamos por meses naquele bicho alado que chamávamos de cachorro do Artreio.
Sinto saudades de você, de olhar pela janela e esperar cada coração misturado nas gotas de chuva, cantarolando pingos de amor, sem saber o que era poesia e mesmo assim encontar com ela só de brincadeira.
Perguntavam tanto o que queríamos ser quando crescer, e hoje sei bem que raramente as pessoas se importam com os sonhos dos adultos. Faz tempo que não me perguntam o que quero ser agora adulta, normalmente me pedem para resolver coisas, e isso sempre me perde um pouco.
Você mora longe, lá num passado, e só de teimosia me visita quando cuido das plantas, escrevo, desenho, invento comidas, é uma pena não poder ficar, mas eu entendo, e por isso alimento a esperança.
Os dias tem sido nublados, você sabe como fico, um dia volte sem pressa, ainda sei conversar com passarinhos.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Do silêncio

Não falarei da dor
Dizer  é...
Demasiado perigoso
Nem dessa angústia
Serei silêncio, e  só
Pés na terra, firme
Até que o cheiro da chuva
Cante com o vento
Então poderei falar
Sobre os dias sonhados
E de todas as manhãs
Que o café fresco
Acordou a coragem

Tem uma fenda dentro do peito
Costurada com minha voz
Se eu gritar tudo escorre
Todas as lágrimas represadas
Na pressa para fazer a janta
Serei silêncio, e só

Nos dias....
Olho sempre para o alicerce
Com todas as suas raízes
Os telhados ficam longe da terra
Céu é lugar da lua, do sol
Das pessoas que lavram a palavra
E daqueles passarinhos que acordam
Uma existência inteira, em bando

Me botaram para quarar cedo
E desaprendi a parar por gosto
Faz tempo que tento achar a cor certa
Aquela que garante que existo
Entre os varais, e as pilhas de louças

Já falei tanto no meio da lida
Que faltou fôlego para cantar com pássaros
Um dia a areia me contou sobre o silêncio
E fez tudo que não foi fazer sentido

Se demorar para chover
E o vento não cantar
Vou para o colo de uma árvore
Ela também sabe a importância
Do silêncio, e tem muito para falar

Shirlei do Carmo

domingo, 29 de abril de 2018

Insistir também é desistência?

Precisa um bocado de coragem, inclusive para refletir sobre a condição básica do que é existir. Dias passam e a vida passa junto, dá nó em pingo d'água pensar se tô insistindo por desistência. São Paulo tem concreto que adentra o olho e nubla a vista.  Enquanto isso os boletos na caixa de correio lembram de todas as horas que não pude pensar sobre isso. Mais um dia no calendário que não pude ver o nascer do sol, regar as plantas e só ouvir o vento. Os boletos pontuais, os domingos de cansaço, ainda dizem sobre esse tempo, não fosse o despertador, e o ônibus que demora para passar era bem capaz de eu duvidar se  tudo foi mesmo vivido. Antes de dormir vou regar as plantas, porque ainda insisto.
A sombra
                                        escrita da luz
          avisa o corpo
                                                      contém forma
                                   corre
             Planta                              pés no chão
                   Cada passo é palavra
A terra conta
                                lá vai
                                                                   o menino
Domingo com chuva, convite para curtir a cama. Na janela, a dança das gotas faz bonita a paisagem.  O som manso e constante chama para dentro, serve chá quente para as memórias. A coberta abraça, o sono sussurra, uns convidam a preguiça, outros  o descanso, há quem saia para dançar. Daqui recebo a nostalgia, e procuro os pingos de amor.
Prédio de estacionamento e moradores de rua, naturalização do absurdo.

Caminhar no centro de São Paulo, me faz duvidar do sentido, e do fluxo que cega.