Hoje

Tenho pensado e repensado tanto, que meu tempo está pouco, então necessito me isolar, pra me organizar, e descobrir o que vem mudando, nascendo em mim.
É estranho como a vida passa, as pessoas passam, e tudo que era natural, fica tão desigual.
É tempo de olhar, sentir, me afetar com minha vida, e como levo esta vida. Sei bem que meu caminho já começou, e já faz tanto tempo, que agora revejo meus passos e escolho quem me acompanha.
Talvez estar perto de tanto sofrimento, ver a fome de perto, crianças sendo afetadas por situações tão brutais, e ter a real noção da minha impotência diante de tanto me fizeram abrir portas internas, e eu nem sabia que elas existiam...
Volto pra casa todas as noites e beijo minha filha, e me orgulho de com meu trabalho posso garantir o pão na mesa, a roupa, a escola, o conforto, e ao mesmo tempo mostro opções que ela pode escolher ou não.Mas hoje tenho insônia, penso numa criança que chorou pra comer, e que ao ver o alimento comeu tanto até vomitar, e na mãe que teve que juntar forças pra revelar a situação que estava passando, e me sinto tão desumana...
Como posso ter tanto, enquanto outros tão próximos não tem nada?
Como olhar para os olhos de uma criança que ri de tudo, pois seu mundo é tão limitado que o novo sempre é tão maravilhoso, e isto não é poesia, é realidade, falo de um ser humano de quatro anos que não quer voltar pra casa pois sabe que não terá o que comer até o dia seguinte quando volta pra escola.Bom nesta madrugada de sábado me pergunto como será seu domingo?
Quero fazer mais, não basta ensinar, não basta divertir, dar carinho...algo deve ser feito, mas ainda não descobri como.
Hoje tinha que ir em alguns lugares pra me divertir, mas não consegui, e talvez porque sei que amanhã será o domingo...
Amo minha profissão, minha filha, minha mãe, minha vida. Porém tem tanto pra resolver que tenho que ficar só, pra olhar com calma, e descobrir qual o próximo passo do caminho,e qual o ritmo deste caminhar.
Hoje sou a Shirlei, uma mulher solteira, mãe da Ana Carolina, abençoada com um lar cheio de amor, mas também sou uma humana que se vê tão passiva diante do horror, e que sente dor, vergonha de ser tão feliz.
Nós humanos somos tão estranhos, que chega ser medonho.
Meu coração bate, minha cabeça pensa, meu corpo se move, e tudo está tão parado...Hoje me deito e tento sonhar com um mundo menos desigual!