Me despedi da filha, depois da mãe no portão, olhei o asfalto molhado com a garoa, um engasgo com o pensamento sobre essa inconstância do tempo. Enfim avisto o ponto de ônibus, espera para atravessar a rua, e o ônibus partia, olhei o relógio, ainda dava tempo de torcer pelo próximo.
Foram uns segundos sozinha, e a senhora se aproxima, chegou brava, nem falou bom dia, reclamou do ônibus, do tempo, dos médicos.
A raiz dos cabelos brancos, o rosto marcado, e aquela angustia impaciente, resolvi puxar assunto, falei do tempo, da preocupação com a horta, e logo emendei com um aceno de esperança, às 10 h costuma passar um ônibus.
Ela devolveu:
- "O que mata não é o tempo, são os médicos!"
Logo vi que a situação do ônibus era só uma parte. Perguntei se ela estava atrasada para uma consulta, falei que o ônibus logo viria.
A resposta um câncer no intestino, e o medo traduzido naquela expressão com as marcas do tempo.
Contei das pessoas que conheço e que sobreviveram ao câncer, da importância de fazer o tratamento e acreditar na cura, sorri e avisei sobre o ônibus que enfim se aproximava.
Ela sorriu, me abraçou, agradeceu, entramos no ônibus. Agradeço o encontro, a vida manda mensagens, e lembrei que o sereno deixa as folhas com as cores mais bonitas.
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